quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O caso Queiroz - Parte 1

Parte 1.
Ando há um tempo para falar sobre isto. Mas como tem havido desenvolvimentos dia sim, dia não, a coisa também tem sido adiada. Façamos a análise por tópicos. Hoje é apenas Queiroz, o treinador.

O seleccionador.

Queiroz tem curriculum. Não como treinador de topo (não há de momento um que seja a trabalhar em terras lusas), mas de topo, sim, como homem de planeamento. Temos pormenores específicos: João Pinto, por exemplo, como avançado pequeno que era aprendeu a antecipar-se a cruzamentos. Os seus golos de cabeça foram resultado de muitas horas de treino e também de muita insistência do Queiroz. Temos contexto geral: as duas vitórias em mundiais sub-20 abriram caminho a um ciclo invejável no futebol nacional (desde 1996 que mal falhamos grandes competições; quase sempre passamos aos jogos a eliminar). Em tudo isto houve trabalho de outros seleccionadores, houve trabalho de formação nos clubes, houve uma lei bosman que ajudou a que muito futebolista nacional evoluísse em clubes de topo, houve muita coisa. Mas Queiroz foi essencial neste desenvolvimento.

Como figura impar a planear, Queiroz deu o seu contributo a países como o Japão e os EUA, onde há capacidade e infra-estruturas para um futebol de outro nível, mas onde a tradição pelo jogo é (já foi muito mais, claro) pequena. Queiroz é um científico do futebol. Um teórico de topo (não confundir com as barbaridades do “catedrático” JJ), com uma formação que antecedeu aquilo que hoje em dia se tornou mais comum: treinadores que efectivamente percebem de futebol, em vez de ex-futebolistas que gostam do cheiro do balneário e mandam comer a relva. Sem Queiroz (e também o pouco carismático Jesualdo Ferreira) não haveria espaço para Mourinho e a leva de treinadores com formação que se lhe seguiu – será até importante esclarecer que Mourinho estudou onde Queiroz deu aulas, acabando por nunca ser o aluno de topo que Queiroz foi. No último ano do curso dava aulas como assistente, se não estou em erro. Ele sabe de futebol como poucos. O que falha, é que será porventura demasiado teórico. Pensemos novamente em Mourinho e em quem o acompanha. O conhecimento que tem do jogo é de topo – mas as metodologias de treino, por exemplo, nenhuma delas foi inventada por ele. Mas ele sabe liderar e reagir sob total pressão. Queiroz é caso diferente.

Ao Queiroz podemos pedir: prepara a nossa selecção de sub-20 de 2022. E ele começava agora a desencantar putos de 8 anitos a brincar no recreio, que em 2022 serão potenciais estrelas. Mas peçam-lhe: evita o descalabro que já está a acontecer. E Queiroz panica. E fá-lo porque lhe foge ao planeamento. Infelizmente, é nestas alturas que lhe faltava o factorzinho Scolari: discurso bélico, muita fé, muita confiança e espírito de tanque (esmagaremos o que se avizinha) quando tal é necessário. A Scolari faltava-lhe ser metódico e estudioso até à medúla. A Queiroz falta-lhe o factor “Caravaggio”. É possível sabermos mais de música do que Mozart. Mas em Mozart há coisas que não se ensinam, nem se aprendem. Apenas são.

5 comentários:

Bossio Rojas disse...

Bom texto, mas não concordo com esse elevar do Queiroz.

Ele pode ser um excelente professor e ser das pessoas que mais percebe de futebol em Portugal agora isso nao o torna um bom seleccionador ou treinador

Um bom professor pode ter todo o conhecimento do mundo mas se não conseguir passá-lo aos alunos e materializá-lo para que serve?

Queiroz é bom no planeamento e no treinos, como falas. E, portanto, ele estava muito bem no Manchester. Vir para cá foi um erro da parte de ele. Não só porque não servia, nem serve, os interesses da selecção como se viu embrulhado em toda esta polemica lamentavel.

Nalitzis Krpan disse...

vir para cá foi um erro por outras razões. falarei depois sobre isso. Mas se releres com calma vais perceber que apesar de o elogiar, também confesso que faltam ali factores relevantes.

Destino em Detalhes disse...

Sem dúvida! Bom post sobre o Queiroz.

A questão do planeamento ficou bem evidenciada várias vezes mas a que mais chamou a atenção foi a saída do Almeida no jogo contra a Espanha, justificada pelo próprio treinador como uma decisão planeada previamente.

O Queiroz terá sido muito provavelmente um dos melhores adjuntos que o Ferguson teve na longa carreira. No treino do dia-a-dia, no (mais uma vez) planeamento da equipa, no estudo dos adversários, etc, o gajo é acima da média. O calcanhar de aquiles tem a ver com a leitura do jogo "in loco".

Os Sportinguistas (e principalmente os lampiões) recordam-se do erro de casting que foi aquela colocação do Capucho a defesa esquerdo no jogo contra o Benfica em que só levámos 6 e alguns deles tiveram origem ali no lado esquerdo da defesa do Sporting. Lá está, uma decisão que foi obrigado a assumir no decorrer do jogo, creio que por lesão do Paulo Torres.

Nalitzis Krpan disse...

"Capucho a defesa esquerdo". cheguei a escrever isso no texto. tirei porque fui para outro assunto. Mas percebo o que dizes. Tem mesmo a ver com isso. Aquilo que é imprevisível obriga a saber reagir sob fogo. E isso é uma característica muito pouco comum. E que Queiroz, infelizmente, não tem.

eumargotdasilva disse...

Acho o texto muito bom, bem estruturado e reflectido, apoiado em exemplos...num país onde todos gostam é de bitaites, tal como esta arte de texto, o Queiroz não é popular (como o Jesualdo também não) porque populares são os que dizem que são catedráticos... O português comum, por exemplo, odeia o Mourinho. Só lhe presta vassalagem porque ele ganha muito e é muito célebre, e os portugueses são dados a essas coisas de beijar a mão em público a quem cospem na intimidade... mas, adiante...
Para o nosso futebolzinho o Queiroz é essencial. Poderíamos ganhar mais jogos com a ajuda da nossa senhora de caravagio ? podíamos, mas veja-se o europeu da suiça/áustria...-que brilharete! Mas desse ninguém se lembra, nem da final do nosso europeu que poderíamos e deveríamos ter ganho...
Então,Caravagio também não chegava para tudo... e pelo meio, entre contratos publicitários chorudos e pouco tempo dedicado à organização, o futebol passou a futebolzinho...
Como viram que o fundo estava próximo, vai uma de chamar de novo o Queiroz. Só que o Queiroz não é só sério na organização, também é honesto... e isso já não interessa. O ideal agora era pegar no que Queiroz já organizou e colocar lá outro Caravagio que olhe para o lado e não se importe com os "futebóis"...

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